quinta-feira, 27 de outubro de 2016

A última desceu quente. Memórias vão e vem em determinados momentos nada oportunos. Olfato, mais animal de todos os sentidos e, historicamente falando segundo Darwin, cada vez menos desenvolvido pelo homem em geral (não neste caso), se tornara seu pior inimigo. Portador de memórias terríveis e momentos infantis saudosistas, controlava seu corpo e sua mente como sequestrado de Estocolmo invertida e, por ter sido tão maltratado, agora maltratava com o prazer de quem conhece intimamente seu inimigo e alcança a milagrosa chance da vingança. Na última memória ele se divertiu. Instantaneamente mandou estímulos ao Neutro Cérebro, daquela época tão inacreditável e que apesar de se lutar sempre, não se distancia nunca. Ela estava ali novamente, presente, apesar de ainda invisível. Uma memória. Uma repetição de anos, de uma importância que ainda não se entende a existência. Os últimos anos seriam de treino: enviava, distraído em um ônibus, na rua ou mesmo no momento íntimo da divisão de toques e narizes, simples sinapses. E como ali se deleitava. Fazendo dupla personalidade no auge do prazer se engrandecia e ao mesmo tempo azucrinava o gozo com momentos de maldade dignos de filme clichê estadunidense. Até mesmo a risada ecoava daquele gigante nariz vingador.

Mas é verdade também que a culpa não passava longe da porta dos grandes mestres daquela máquina. Neutro em verdade nada tinha de "em cima do muro". Outro fanfarrão vivia em guerra com o Olfato e muitas vezes nem sabia-se de onde vinha a primeira provocação. O que se sabia é que o resultado seria o mesmo. A guerra entre sentidos passava a criar políticas e ganhar aliados. Logo se instalou e Olfato passou a dominar diferentes territórios. Chegou a se colocar como imperador de todas as memórias e assim se vingou completamente de seu antigo sequestrador. Faltaria apenas o golpe final, vencer Neutro e destruir todas as memórias.

E aqui não há reviravolta. A vida acaba ainda que dentro de sua mente. Ainda que covardemente lhe falte forças para terminá-la totalmente. Amaldiçoa a si mesmo a vagar com Édipo. Cego e sozinho. Resta-lhe apenas destruir, sequestrar e subjugar novamente Olfato.

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